Daryl Bem, da Universidade Cornell, vai publicar artigo científico sobre percepção extrassensorial e capacidade de prever eventos futuros. |
Uma das mais respeitadas revistas científicas de psicologia aceitou publicar um artigo apresentando o que seu autor descreve como uma das mais fortes provas da existência de percepção extrassensorial (ESP, na sigla em inglês), a habilidade em conhecer o futuro.
A decisão pode agradar os que acreditam nos chamados eventos paranormais, mas já divide a comunidade científica.
Cópias antecipadas do trabalho, a ser publicado este ano no The Journal of Personality and Social Psychology, têm circulado amplamente entre acadêmicos nas últimas semanas, gerando um misto de divertimento e desprezo.
O artigo descreve nove experimentos de laboratório pouco comuns realizados na última década por seu autor, Daryl J. Bem, professor emérito da Universidade de Cornell, testando a capacidade de estudantes universitários perceberem com exatidão eventos ao acaso, como se um programa de computador irá fotografar do lado esquerdo ou direito da tela. Os estudos incluíram mais de mil pessoas.
Alguns cientistas dizem que o estudo merece ser publicado, em nome da investigação aberta; outros insistem que a sua aceitação só reforça falhas fundamentais na avaliação e revisão das pesquisas em ciências sociais.
"É loucura, loucura pura. Não posso acreditar que um periódico importante esteja aceitando este trabalho", disse Ray Hyman, professor emérito de psicologia da Universidade de Oregon e crítico de longa data da pesquisa ESP. "Eu acho que é simplesmente um constrangimento para o campo inteiro da psicologia."
O editor da revista, Charles Judd, psicólogo da Universidade do Colorado, disse que o artigo passou pelo processo regular de revisão da revista.
"Quatro revisores fizeram comentários sobre o manuscrito", disse ele, "e eles são pessoas muito confiáveis."
Todos os quatro decidiram que o artigo cumpriu as normas editoriais da revista, acrescentou Dr. Judd, embora "não havia nenhum mecanismo pelo qual pudéssemos entender os resultados."
Mas muitos especialistas dizem que é exatamente esse o problema. Afirmações que desafiam quase todas as leis da ciência são extraordinárias por definição e, portanto, exigem provas extraordinárias.
Não levar isso em conta - como fazem as análises convencionais das ciências sociais - torna inúmeras descobertas parecerem muito mais significativas do que elas realmente são, afirmam especialistas.
"Várias revistas importantes publicam resultados apenas quando estes parecem apoiar uma hipótese ou inesperada ou que chama a atenção", escreveu por e-mail Eric-Jan Wagenmakers, psicólogo da Universidade de Amsterdam.
"Mas essa hipótese provavelmente constitui uma afirmação extraordinária, e deve passar por mais escrutínio antes que seja permitida a entrada em campo."
Dr. Wagenmakers é co-autor de uma réplica ao trabalho, prevista para aparecer na mesma edição da revista.
Em entrevista, Daryl Bem, autor do artigo original e um dos pesquisadores em psicologia mais proeminentes de sua geração, disse que planejou cada experimento para simular um clássico estudo bem conhecido, “só que invertidos”.
Em um experimento clássico de memória, por exemplo, os participantes estudaram 48 palavras e, em seguida, dividiram um subconjunto de 24 delas em categorias, como alimento ou animal.
O ato de categorizar reforça a memória, e em testes posteriores as pessoas têm uma chance maior de lembrar as palavras que eles praticaram do que as quais eles não praticaram.
Em sua versão, o doutor Bem aplicou um teste de memória para cem estudantes universitários antes que eles fizessem a categorização - e descobriu que eles eram significativamente mais propensos a lembrar as palavras que praticavam depois.
"Os resultados mostram que a prática de um conjunto de palavras após o teste de memória, de fato, volta no tempo para facilitar a lembrança daquelas palavras", conclui o artigo.
Em outro experimento, Bem pediu que indivíduos escolhessem qual das duas cortinas na tela do computador escondia uma fotografia; a outra cortina escondia apenas uma tela em branco.
Um programa de computador postava ao acaso uma imagem por trás de uma cortina ou de outra - mas somente depois que o participante tinha feito sua escolha.
Mesmo assim, os participantes derrotaram o acaso, por 53 a 50 por cento, pelo menos quando as fotos postadas eram eróticas. Eles não foram melhor do que o acaso em fotos negativas ou neutras.
"O que mostrei foi que os indivíduos não selecionados podiam sentir as fotos eróticas," disse Bem, "mas o meu palpite é que se você usar mais pessoas talentosas, que são boas nisso, elas podiam encontrar qualquer uma das fotos."
Nas últimas semanas blogueiros de ciência, pesquisadores e variados céticos têm contestado de maneira contundente os métodos e estatísticas utilizados por Bem, levantando questões importantes no tratamento dos números. (Outros questionam suas intenções. "Ele tem um ótimo senso de humor", disse Hyman, de Oregon. "Eu não descartaria que esta é uma brincadeira elaborada.")
O autor do trabalho em geral respondeu na mesma moeda, algumas vezes acusando os críticos de ou não entender seu trabalho, ou de construir um forte viés em suas próprias re-avaliações dos dados.
Em certo sentido, é um padrão historicamente familiar. Por mais de um século, os pesquisadores realizaram centenas de testes para detectar ESP, telecinesia e outros fenômenos semelhantes, e quando tais estudos vieram à tona, os céticos têm sido rápidos em cobri-los de descrédito.
Mas por outro lado, Bem está longe de ser típico. Ele é amplamente respeitado por seu pensamento claro e original em psicologia social, e algumas pessoas familiarizadas com o caso dizem que sua reputação pode ter desempenhado um papel importante na aceitação do artigo.
A revisão por pares é normalmente um processo anônimo, com autores e revisores desconhecidos um do outro.
Mas todos os quatro revisores deste trabalho foram psicólogos sociais, e todos saberiam de quem era o trabalho avaliado e teriam sido favoráveis à forma como foi fundamentado.
Talvez mais importante, nenhum era estatístico de primeira linha. "O problema foi que esse trabalho foi tratado como qualquer outro", disse uma editora da revista, Laura King, psicóloga da Universidade de Missouri. "E ele não era."
Muitos estatísticos dizem que as técnicas utilizadas pelas ciências sociais para analisar dados fazem uma suposição que é falsa e, no final, auto-enganadora: a de que os pesquisadores não sabem nada sobre a probabilidade da chamada hipótese nula.
Neste caso, a hipótese nula seria a de que a ESP não existe. Recusar a dar peso a essa hipótese não faz sentido, dizem esses especialistas; se a ESP existe, porque as pessoas não estão ficando ricas predizendo com segurança o movimento do mercado de ações ou o resultado dos jogos de futebol?
Em vez disso, esses estatísticos preferem uma técnica chamada análise bayesiana, que visa determinar se o resultado de um experimento em particular "muda as chances da hipótese ser verdadeira", nas palavras de Jeffrey N. Rouder, psicólogo da Universidade de Missouri, que, com Richard D. Morey, da Universidade de Groningen, na Holanda, submeteu uma crítica ao artigo do Dr. Bem para a revista.
Física e biologia, entre outras disciplinas, esmagadoramente sugerem que os experimentos de Bem não mudaram essas chances, disse Dr. Rouder.
Até agora, pelo menos três tentativas de replicar os experimentos fracassaram. Mas o grupo pretende continuar trabalhando nisso, disse o professor de Cornell.
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